É entendimento consolidado na jurisprudência pátria a impossibilidade de se efetuar o desconto, na remuneração de servidores públicos, de valores pagos a maior por erro exclusivo da Administração Pública, seja operacional (erro de fato) ou decorrente de má interpretação ou má aplicação de dispositivo legal (erro de direito).
A matéria inclusive já foi tratada em sede de recursos repetitivos quando do julgamento Recurso Especial n. 1.244.182/PB (Tema 531), no qual restou consignado que “quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público”.
Ocorre que ao aplicar esse entendimento, a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF 1ª da Região), embora reconheça a impossibilidade de devolução do valor pago ao servidor por equívoco do Poder Público, declara a impossibilidade de restituição das quantias já subtraídas, sob o argumento de que tal procedimento implicaria novo pagamento indevido.
Esse posicionamento é contraditório, pois confere tratamento diverso, sem fundamento plausível, às parcelas supostamente recebidas a maior pelo servidor já descontadas e as que viriam a ser retiradas das remunerações dos servidores caso o Judiciário não interviesse.
Todos os valores têm caráter alimentar e foram recebidos de boa-fé, de sorte que a Administração não pode reavê-los em nenhum contexto, em atenção ao princípio da segurança jurídica, contido no artigo 5º, caput e inciso XXXVI, da Constituição.
A suspensão dos descontos sem a devolução dos valores já deduzidos simplesmente não tem lógica. Afinal, como a restituição ao Erário foi considerada indevida, não devolver a quantia já retirada é considerar que a parte do valor não restituída ainda ao Erário foi recebida de boa-fé e tem natureza alimentar, e a parte devolvida teria sido, de fato, ilegalmente recebida.
O posicionamento adotado pelo TRF da 1ª Região induzirá a Administração, mesmo ao saber que contraria farta jurisprudência e que tal conduta será futuramente obstada, a sempre descontar valores recebidos de boa-fé e com natureza alimentar. Afinal, ainda que essa restituição seja suspensa, parte do valor estará resguardado, de sorte que o desconto feito antes da atuação judicial ou mesmo em descumprimento a ordem judicial integrará, definitiva e indevidamente, o Erário.
O Superior Tribunal de Justiça, em algumas oportunidades, já se manifestou acerca do tema ao enunciar que “a restituição dos valores que porventura já tenham sido descontados é decorrência lógica do reconhecimento de que o desconto é indevido” (REsp 1758037/CE, DJE de 27.03.2019). Ou seja, a Corte Superior prima pela lógica.
É esse o entendimento que deve prevalecer. É preciso atuar para o TRF da 1ª Região reveja esse equivocado entendimento, que inclusive beneficia a União por sua própria torpeza.